A época das chuvas e o calor voltaram. No pasto, começa a eclosão dos últimos ovos colocados no fim da estação das águas anterior, e que haviam ficado em dormência na seca. Surgem os primeiros adultos do inseto e um novo ciclo se inicia. Se o pecuarista quiser evitar uma infestação da cigarrinha-das-pastagens nos meses de janeiro e fevereiro e evitar prejuízos, deve monitorar desde já os piquetes.
A cigarrinha, praga frequente nos pastos, principalmente nas braquiárias, é um inseto sugador. Ele “pica” a planta, alimentando-se da seiva. Na parte da folha atacada, ocorre a mortalidade das células e do tecido vegetal, pois a cigarrinha injeta uma toxina que bloqueia os vasos das plantas, que, após certo tempo, começam a amarelar, o que resulta na “queima” e na diminuição da capacidade de suporte da pastagem.
Um sinal típico da presença da cigarrinha-das-pastagens, cujo nome científico é Deois flavopicta, é uma “espuminha” branca, deixada no entorno da área atacada. Para o gado, a consequência é ter um pasto menos nutritivo à disposição e, dependendo da intensidade da infestação, provocar redução na produção leiteira e no ritmo de crescimento e engorda de novilhas – o que pode afetar, lá na frente, a entrada no primeiro cio, a produção de bezerros e, por fim, a de leite.
A orientação de monitorar o pasto já desde o início da estação chuvosa, para controlar o surgimento do inseto e assim evitar infestação é do pesquisador Bruno Pedreira, da Embrapa Agrossilvipastoril, em Sinop (MT). “Com a chegada das chuvas, já a partir de setembro, os ovos que estavam no campo, em dormência, eclodem. Começam a surgir então as primeiras ninfas (insetos jovens), que também sugam as plantas e, em 25 ou 30 dias se transformam em adultos. Em cerca de 20 a 25 dias, esses adultos estão prontos para depositar novamente seus ovos na pastagem. Com mais chuva e calor, em período semelhante surgem mais indivíduos. “Se continuar chovendo, o ciclo se repete em cerca de um mês”, explica Pedreira. Assim, a intensidade de ataque da cigarrinha-das-pastagens pode ser sentida durante toda a estação chuvosa, que vai de setembro e março.
O monitoramento permite ao produtor avaliar e escolher a melhor opção de controle. Segundo o pesquisador, para fazer o monitoramento, o produtor pode utilizar um puçá, que é uma rede de coleta de insetos. A rede é passada no terço superior da planta, pois a intenção é capturar adultos que voam. Se encontrar um adulto a cada duas passagens de rede ou se visualizar, no pasto, mais de cinco espuminhas brancas por metro quadrado, deve-se atuar para controlar a infestação. “É muito comum os pecuaristas não fazerem esse monitoramento no início das chuvas.
Dizem que ainda tem pouca cigarrinha. Porém, quando ele se der conta, a quantidade de ovos depositada já é muito grande e, 25 dias depois, acontece uma explosão no campo. Aí o dano à forrageira já foi causado e em janeiro e fevereiro os níveis de infestação já são estratosféricos”, alerta Pedreira. O monitoramento do pasto previne essa “explosão” e a perda de produtividade das gramíneas – justamente no período em que o pasto é mais farto e os custos de produção do pecuarista com suplementação se reduzem. “Se dez adultos depositam ovos hoje, daqui a um mês eles serão 100. Em janeiro, se nada for feito, o nível de dano é enorme. Dependendo da intensidade do ataque, posso ter mortalidade de áreas em reboleiras, os perfilhos da pastagem morrem e é preciso esperar que novos brotos nasçam, necessitando de mais 30 ou 40 dias para o pasto estar adequado novamente.”
Além de monitorar o nível de infestação, uma forma importante de controle é o manejo do pasto. Para Pedreira, quanto mais bem for administrada a rotatividade dos pastos, a quantidade de material morto sob as plantas é menor, o que diminui o ataque do inseto, já que as ninfas preferem se instalar neste material morto, pois a umidade é maior. Um pasto bem manejado permite sua rápida rebrota e a eliminação mais rápida dessa parte morta. O uso da técnica da interceptação luminosa, que administra o consumo dos piquetes pelos animais conforme a altura das plantas, é uma tendência (veja mais detalhes na reportagem em Mundo do Leite número 76, de dezembro de 2015/janeiro 2016).
Ainda segundo Pedreira, o capim-mombaça, um Panicum maximum muito utilizado na produção de leite, por exemplo, deve ser pastejado sempre que atingir cerca de 90 centímetros de altura. “Os animais devem sair quando a planta atingir entre 30 e 50 centímetros”, explica o pesquisador. Já o capim-marandu ou o capim-piatã, outras duas braquiárias, devem ser pastejados com não mais de 25 ou 30 centímetros e rebaixadas até 15 centímetros. Com o rebaixamento, a luz chega ao solo com maior intensidade e a umidade se reduz, criando um ambiente inadequado para as ninfas. “Assim, o manejo por altura é muito importante no controle da cigarrinha”, informa Pedreira, nunca acrescentando que, independentemente da quantidade de animais no rebanho, nunca se deve deixar os animais pastarem a altura abaixo de 15 centímetros. “No caso dos Panicum mombaça e zuri, a altura mínima que eles podem chegar após o pastejo é de 30 a 50 centímetros; aí é necessário tirar o lote de lá.”
Segundo o entomologista e pesquisador Rafael Pitta, da mesma unidade da Embrapa, como a cigarrinha-das-pastagens é a principal praga das braquiárias, a diversificação de espécies forrageiras também é uma alternativa de controle. “Em geral, os Panicum não têm problema com cigarrinha, sofrem mais com lagartas. Além disso, dentro das braquiárias existem níveis de resistência ao inseto.
O capim marandu, por exemplo, que o pecuarista gosta muito, é suscetível a só um tipo de cigarrinha, que é a que ataca a cana-de-açúcar também, as do gênero Mahanarva.” Ele acrescenta ainda que, “se a propriedade for inteira com Brachiaria ruziziensis, por exemplo, que é bem suscetível, terá mais problemas com o inseto. Se diversificar com Panicum, a infestação tende a ser menor. Assim, ideal é diversificar – inclusive no universo das braquiárias – a pastagem, além de fazer monitoramento constante do nível de infestação.”
Conforme a publicação da Embrapa Gado de Leite “Instrução técnica para o produtor de leite – controle da cigarrinha-das-pastagens”, de autoria do pesquisador Joaquim Rezende Pereira, diversificar a pastagem com três ou mais tipos de variedades resistentes ou tolerantes ao inseto é o ideal. Entre as gramíneas conhecidas, recomendam-se as seguintes: andropógon, capim-gordura, jaraguá, braquiarão ou marandu, estrela africana, setária kazungula, coast-cross, buffel e as cultivares de capim colonião (mombaça, tanzânia, tobiatã, centenário e vencedor).
“Além disso, é bom manter e explorar, por meio do manejo correto, uma capineira e um canavial, para suplementar a alimentação volumosa do rebanho, poupando as pastagens atacadas pela cigarrinha”, informa ele, acrescentando também sobre a importância de se manter uma área de vegetação nativa próxima às pastagens, que permite a proliferação de inimigos naturais da cigarrinha, como pássaros e outros insetos.
Uma vez constatada a praga, existem duas opções de controle: o biológico e o químico. Para o pequeno produtor é mais viável o controle biológico. Pedreira reforça: “O controle biológico, principalmente para o pequeno produtor, é uma orientação que deve ser intensificada”. Ele é feito por meio do fungo Metarhizium anisopliae, que pode ser aplicado manualmente pelo produtor, por meio de pulverizadores costais, e não necessita da retirada do animal da pastagem, pois não é nocivo à saúde. O fungo atacará tanto os ovos, quanto ninfas e cigarrinhas, matando todas as fases do inseto. O M. anisopliae é vendido comercialmente, sendo possível de ser encontrado em lojas revendedoras de insumos agropecuários.
O fungo deve ser aplicado em dias nublados, com temperaturas amenas, de preferência com umidade relativa alta, ou seja, um dia em que choveu ou está para chover, pois ele é sensível ao calor e a períodos secos. “No início do período chuvoso e com a identificação dos primeiros adultos, já se pode fazer a aplicação do fungo. Aplica-se num primeiro momento e continua-se monitorando.
Se o pico for muito intenso, porém, às vezes não há tempo suficiente de o fungo se desenvolver para eliminar as cigarrinhas. Nesse caso, deve-se lançar mão do controle químico”, orienta Pedreira. Em função disso, ele alerta que o controle biológico, que requer um tempo para fazer efeito, não deve ser feito no desespero e com expectativas exageradas. O período necessário para o fungo agir varia muito, em função das condições de temperatura e umidade. “Se o produtor identificar no campo insetos mortos, com uma massa cinza em volta, é porque o fungo está atuando.” O monitoramento do nível de infestação no pasto deve ser sempre mantido. Se ele for alto e o fungo não estiver dando conta, deve-se partir para o controle químico.
Como explica Pedreira, o controle biológico é regido por processos biológicos e por dinâmica de equilíbrio. “Existem fazendas que aplicam o fungo há 10 ou 12 anos e, depois de alguns anos é que você consegue estabilizar isso na fazenda para deixar de fazer o controle químico. Outra alternativa é aplicar inseticida só em momentos de pico (dezembro e janeiro).” O grande problema do controle químico é que ele não mata só cigarrinhas, mas também seus inimigos naturais, como formigas lava-pés, que comem as ninfas, e o próprio fungo Metharizium.
“Quando ocorre de o pasto voltar a ser infestado, a praga vem mais forte, já que esses inimigos naturais, os agentes que a controlam, diminuem muito com a aplicação do inseticida”, adverte o pesquisador. Outro inconveniente é a necessária retirada do gado das pastagens. “O maior inconveniente do inseticida é o fato de o piquete ter de ficar vedado”, diz Pitta, advertindo que esse agrotóxico é neurotóxico, e pode afetar o sistema nervoso dos animais. Assim, se não houver outra maneira de controle, é imprescindível pedir a orientação de um engenheiro agrônomo. No Informe Técnico da Embrapa está citado que o controle químico deve ser feito “só em último caso”, pulverizando apenas as reboleiras ou locais mais atacados, usando produtos registrados para essa finalidade e seguindo rigorosamente as recomendações do fabricante quanto à dosagem e carência. “Como não podemos eliminar totalmente a cigarrinha, pelo menos podemos reduzir ao mínimo os prejuízos causados pela praga”, continua o pesquisador Rezende.
Fonte: Revista Mundo do Leite